A princípio, em uma tarde agradável conseguimos um espaço na agenda do Dr. Alexandre Barberini. Dentre os vários assuntos tratados neste período, todavia, ele nos impressiona com sua rotina de trabalho.
Em meio a esta rotina de trabalho, Dr. Alexandre Barberini nos explica o que é odontologia desportiva. Do mesmo modo, constatamos a interação com sua equipe e pacientes vindos de todo o país para se consultarem.
Veja abaixo a conversa que tivemos com o Dr. Alexandre Barberini:
O que é odontologia desportiva e o que o dentista desta área faz?
Em síntese, é o ramo da odontologia especializado no tratamento e prevenção dos traumas e doenças oriundas da prática esportiva.
De antemão, o dentista, trabalha com o diagnóstico, tratamento e prevenção dos atletas, em exames pré-contratuais, pré-competições e no local do evento esportivo, prestando atendimento imediato às lesões de face e boca.
Ao mesmo tempo em que atua esclarecendo e indicando o melhor aparato de proteção para cada modalidade, contribui para a melhor performance do atleta de alto rendimento.
É um segmento novo da odontologia?
Definitivamente, é um segmento recente no Brasil. Em contrapartida, em países como EUA, Austrália, Japão e outros da Europa, a odontologia esportiva atua há vários anos na área. Em nosso País, uma das associações pioneiras foi a Abrodesp (Associação Brasileira de Odontologia Desportiva).
Fundada em 1999, organizou o primeiro simpósio sobre o tema. Ao passo que, a partir daí surgiram entidades coligadas, como a APOD (Associação Paulista de Odontologia Desportiva) que promove cursos e palestras em todo o Brasil.
Essas associações surgiram em função de quê?
Em primeiro lugar, os dentistas que já atendiam atletas se reuniram e perceberam que dentro de algumas modalidades olímpicas existia uma equipe multidisciplinar com médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e fisiologistas, entre outros.
Os dentistas também tinham sua importância, mas não estavam ocupando seu devido espaço, nesse sentido, a união de associados amplia a representatividade e contribui para a uniformidade nos protocolos.
Acima de tudo, a importância do dentista dentro da equipe surgiu quando do tratamento e prevenção odontológica dos atletas, principalmente os olímpicos.
Estavam sendo realizados sem a elaboração de um protocolo único de atendimento cientificamente aprovado.
Recebíamos casos de trauma em que o atleta se machucava e perdia o dente e, às vezes, ficavam dois ou três dias e até meses sem procurar o tratamento odontológico.
Como começou o trabalho da odontologia desportiva?
Primeiramente, começamos a associar colegas que já foram esportistas ou que atendiam atletas e necessitavam de mais estudo.
Começamos a formar grupos de estudos científicos e mais tarde recebemos convites para participar de eventos esportivos para promover o atendimento e a prevenção.
De antemão, se algum traumatismo orofacial ocorresse nesse evento, os atletas eram prontamente atendidos.
Essa área já é reconhecida pelos Conselhos?
Antes de mais nada, já chegamos a ter uma comissão de odontologia desportiva dentro do Conselho Regional de Odontologia em São Paulo, contudo, a especialidade ainda não foi reconhecida pelo Conselho Federal de Odontologia.
Ao passo que, a Associação Paulista de Odontologia Desportiva já alcançou seu espaço dentro da especialidade.
A princípio, por ser uma área muito nova, muitos trabalhos científicos precisam ser publicados para que o segmento seja indicado como uma especialização.
É um ramo da odontologia que já existe nos Estados Unidos, alguns países da Europa e Austrália, porém, aqui no Brasil, ainda está em desenvolvimento.
É preciso que o cirurgião dentista ocupe o espaço dentro dos clubes, nos parques, nos eventos esportivos e nas confederações.
Um bom exemplo é a Confederação Brasileira de Boxe, que conta com um departamento odontológico vinculado ao departamento médico.
Qual a diferença de tratamento para um dentista dessa área?
A abordagem para o atleta é diferente. Conversar com ele, explicar a importância da higiene bucal e da prevenção, ter os dentes alinhados, por exemplo.
Geralmente, os atletas se preocupam somente com o rendimento. Mas aí o dentista pode explicar que o atleta que respira pela boca pode comprometer seu rendimento.
Os atletas devem respirar pelo nariz ou pela boca?
Antes de mais nada, todas as pessoas respiram pelo nariz e soltam o ar pela boca. O que acontece é que a partir do momento em que o atleta faz um exercício mais forte, ele vai procurar o ar por qualquer caminho.
Aí vira uma respiração mista, em que ele respira pelo nariz e pela boca. Mas se ele tiver uma má oclusão pode gerar uma Síndrome do Respirador Bucal e, com isso, vai respirar mais pela boca até durante o sono, causando alterações funcionais.
Em suma, a “Síndrome do Respirador Bucal” causa no atleta uma má oclusão e isso pode gerar alterações musculares e até sonolência durante uma partida ou luta.
Um protetor bucal inadequado pode causar uma perda de rendimento também.
Qual o tratamento indicado nesse caso?
É preciso fazer uma correção ortodôntica ou cirúrgica nesse atleta para que ele volte a respirar normalmente. Assim, o rendimento dele pode aumentar.
Então, são pequenos detalhes que podem influenciar no rendimento de um atleta?
Por exemplo, uma atleta da Seleção Brasileira de Handebol veio me procurar por causa de um problema muscular. Mas ela já tinha sido atendida por vários médicos e fisioterapeutas que não conseguiram identificar o problema.
Nós descobrimos que ela tinha um dente com foco de infecção, então a parte imunológica dela estava dividida entre a recuperação da musculatura e o controle da infecção.
Com o tratamento realizado o atleta volta às atividades prontamente.
Qual a porcentagem de lesões no esporte?
Pelo menos 39% das lesões esportivas ocorrem na região facial, incluindo boca. Em um esporte de contato como boxe, kickboxing, caratê, taekwondo e luta olímpica a área mais atingida é a cabeça.
Nesses casos pode ser utilizado o protetor bucal?
Em síntese, o protetor bucal ajuda a evitar, não só o traumatismo bucal, como também a concussão cerebral, impedindo em alguns casos que o nocaute aconteça, mas o importante é utilizar o protetor adequado.
O futebol pode ser incluído nesta categoria. Há casos de atletas que perderam um ou vários dentes da frente ou fraturaram os ossos do rosto em cotoveladas e cabeçadas.
É que esses acontecimentos são pouco divulgados pela mídia e os atletas deste esporte não usam protetores bucais, ao menos por enquanto.
Quais as intervenções mais comuns no dia-a-dia do esporte, e se um dente cair?
Lesões na mucosa, em que se tem que fazer uma sutura no lábio, fraturas na coroa ou na raiz dos dentes, e em ossos da boca e do rosto. E há as fraturas combinadas, que atingem o osso e o dente.
A chance de o dente permanecer na boca aumenta quanto mais rápido for o atendimento. Se o procedimento for realizado na primeira meia hora as chances são de até 100%.
Passado esse tempo, as chances vão caindo em 50%, 30%, até perda do dente.
Com o tratamento tardio ocorre a contaminação da raiz do dente, o corpo manda células de defesa que acabam destruindo o dente também.
A odontologia desportiva é mais voltada para o protetor bucal?
De antemão, a área não é direcionada somente a isso, mas esse é o nosso carro-chefe. Nós queremos atuar com o atleta durante o evento esportivo para prevenir as lesões.
E isso pode ser feito pelos capacetes, máscaras faciais e os protetores bucais. Em algumas modalidades essas proteções são obrigatórias, em outras, são recomendadas.
Em suma, existem quatro tipos de protetores. O protetor de látex é de tamanho único e protege apenas o maxilar, o chamado tipo I.
Já o esquenta e morde, tipo II encontrado em lojas do ramo, é feito de silicone ou EVA (acetato vinil de etileno) e tem os tamanhos pequeno, médio e grande e pode ser duplo (na maxila e mandíbula).
Esse modelo é confeccionado esquentando o protetor em água quente para amolecer, é colocado na boca e vai se moldando à dentição do atleta.
Hoje, já existem protetores feitos pelo dentista que são individualizados, evitando a troca entre os atletas. Para confeccionar esse aparato de proteção é preciso fazer um molde da boca do atleta e vazar em gesso (modelo).
Com um aparelho a vácuo e placas de EVA se produz um protetor, podendo ser de uma lâmina, tipo III ou multilaminados do tipo IV.
Qual o melhor tipo?
A princípio, os protetores feitos sob medida dos tipos III e IV, absorvem melhor o impacto e o divide entre o restante da boca, além de não atrapalhar na respiração e na fonação do atleta.
Eles protegem principalmente a parte de cima da boca, onde mais de 90% dos acidentes acontecem. O protetor feito de EVA protege quatro vezes mais que o de silicone.
Muitas pesquisas estão sendo realizadas tentando utilizar uma tecnologia de materiais parecida com a dos amortecedores em tênis de alto impacto.
Cerca de 50% dos atletas utilizam o protetor do tipo II (esquenta e morde).
Sob o mesmo ponto de vista, é mais fácil de ser manipulado por não precisar da visita ao dentista para se adaptar.
Outros 34% ainda usam o protetor do tipo I de látex, e mais ou menos 16% usam os protetores dos tipos III e IV.
A diferença de preço entre o protetor já pronto e o feito por encomenda é muito grande?
A diferença de preço não é muito grande. Nós estamos equiparando os custos para colocar o protetor feito pelo dentista no mercado, provando para o atleta que, baseado em pesquisas, é melhor que os outros.
Os protetores dos tipos I e II podem atrapalhar no rendimento, dificultando a respiração.
O protetor bucal não evita qualquer traumatismo, como pensam alguns. Há traumatismos que ocorrem mesmo com o uso do protetor. No caratê, por exemplo, um chute ou um soco podem atingir 50 km/h e 300 quilos de força, ou seja, são muito potentes.
Em contrapartida, existem estatísticas que mostram que o protetor é eficiente na maior parte dos casos.
Se for uma modalidade de muito impacto, o mais indicado é o protetor multilaminado (tipo IV), com várias lâminas e espessura de até 6 mm.
Tem protetor mais mole na base e rígido por dentro . Outros que têm anéis de proteção que passa pela cervical dos dentes e na incisal, onde a chance de fraturas é maior.
Então o especialista precisa conhecer todos os tipos de impacto?
Sim. Existe leis específicas para o boxe que servirá ser para outras modalidades.
Antes da luta são feitos exames e o atleta com alguma doença geral ou bucal, como herpes, HIV-aids, hepatite e até cárie, não pode lutar, porque pode transmitir a doença.
No caso da cárie, o atleta pode machucar o dente cariado e até perder e engolir. Não se pode lutar com aparelho, próteses mal adaptadas ou contenções.
Em primeiro lugar, são coisas que só o dentista pode cuidar, e, antes isso, ficava a cargo somente dos médicos.
A consulta a um dentista especializado em odontologia desportiva é mais cara?
A princípio, se equivale às consultas de outros especialistas. Frequentemente, o dentista no esporte tem uma responsabilidade grande, deve conhecer o tipo de medicamentos que vai utilizar no atleta. Existem medicamentos que podem causar doping positivo, como, por exemplo, anestésicos.
Nós dentistas do esporte, utilizamos um anestésico sem vaso-constritor (sem adrenalina). Uma substância que causa a constrição dos vasos sangüíneos do atleta. Sabidamente, estas substâncias, taxadas como proibidas pelo Comitê Olímpico Internacional. Na carreira do atleta, acena aos problemas ao usar estas substâncias.
Existe algum tipo específico de lesão bucal?
Existem pesquisas sobre cada tipo de lesão orofacial. Um caso interessante está relacionado aos dentes do ciso.
O atleta ao receber um grande impacto, pode ocasionar uma fratura da mandíbula.
Qual o perfil do atleta que procura o dentista especializado?
Resumidamente, em grande parte, por amadores e atletas profissionais de alto nível que procuram o odontólogo do esporte.
À primeira vista, a maioria dos atletas só procura o dentista somente depois do acidente, porém, há uma crescente conscientização da importância do tratamento e da prevenção para sua saúde.
Antes de mais nada, por experiência, 80% dos atletas procura o dentista para confecção de aparatos de proteção e somente 20% com objetivo de melhorarem a saúde bucal e o rendimento.
Existe demanda para os profissionais dessa área?
O esporte em geral, sem dúvida, é um mercado grande e em crescimento no Brasil.
Um bom exemplo é que existem modalidades como o kung fu, com cerca de 40 mil praticantes só em São Paulo, que necessitam de dentista para tratamento e proteção.
Atualmente, o atleta de alto nível garante a vitória por meio de uma diferença mínima em relação ao adversário, e são os pequenos detalhes.
Simultaneamente como os explorados por uma equipe multidisciplinar, em especial a odontologia desportiva, que podem ajudar o atleta de alto rendimento a vencer.
Instagram: @helinho.cabelera
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